"Cuide de você"


“Recebi uma carta de rompimento.

E não soube respondê-la.

Era como se ela não me fosse destinada.

Ela terminou com as seguintes palavras: “cuide de você”.

Levei essa recomendação ao pé da letra.

Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta.

Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.

Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.

Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.

Uma maneira de cuidar de mim”.

São com essas palavras que a artista plástica e escritora francesa Sophie Calle justifica sua exposição “Cuide de você”, em 2009. Após levar um fora por e-mail do também escritor – e sedutor – Grégoire Bouillier, não sabendo ser aquele um adeus definitivo, ou se havia ainda uma porta aberta, e não tendo coragem de responder a mensagem, ela decidiu, três dias depois, mostrar a carta rompimento para 107 mulheres. Das mais diferentes profissões, para interpretar o texto: psicanalista, juíza, escritora, jornalista, atriz, cantora, consultora de etiqueta, delegada, jogadora de xadrez...

“Se ele tivesse voltado, eu teria preferido Grégoire”, disse Sophie . Mas ele não voltou. E a exposição está fazendo o maior sucesso. Grégoire, no primeiro encontro oficial com Sophie, lembra aos literatos que não é proibido deixar alguém, e que todos têm o direito de amar e deixar de amar.

Sobre a exposição, algumas das interpretações se destacam. Cito a da subeditora-chefe, Sabrina Champenois, que escreveu: “O inferno, sem os outros. Amante rompe e afirma que motivo é respeito pelo pacto inicial. Honestidade ou covardia?”

Sophie sublimou sua devastação, transformando o que sentia em arte, em exposição de grande sucesso. Sophie disse que a exposição foi uma maneira de ganhar tempo antes de romper com Grégoire. Ela não havia entendido que, embora unilateral, o rompimento já havia ocorrido

Caso interesse, eis o tal e-mail:

"Há algum tempo, venho querendo responder seu último e-mail. Na verdade, preferia dizer o que tenho a dizer de viva voz. No entanto, vou fazê-lo por escrito.

Você já pôde notar que não estou bem ultimamente. É como se não me reconhecesse em minha própria existência. Sinto uma espécie de angústia terrível, contra a qual não consigo fazer grande coisa, exceto seguir adiante para tentar superá-la. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a 'quarta'. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as 'outras', não achando logicamente um meio de vê-las sem transformar você em uma delas.

Pensei que isso bastasse. Pensei que amar você e que o seu amor — o mais benéfico que jamais tive — seriam suficientes. Pensei que assim aquietaria a angústia que me faz sempre querer buscar novos horizontes e me impede de ser tranquilo ou simplesmente feliz e 'generoso'. Pensei que a escrita seria um remédio, que meu desassossego se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições nem sequer de lhe explicar o estado em que mergulhei. Então, nesta semana, comecei a procurar as 'outras'. Sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Nunca menti para você e não é agora que vou começar.

Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…). Com isso, jamais poderia me tornar seu amigo. Você pode, então, avaliar a importância de minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante de sua vontade, ainda que deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre os seres e a doçura com que você me trata sejam coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você do modo que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.

Mas hoje seria a pior das farsas manter uma situação que, você sabe tão bem quanto eu, se tornou irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.

Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.

Cuide-se."

Grégoire


(Lido no Vem cá Luisa)




Carta de despedida de amor


João Pedro,

Em alguns dias, fará quatro anos que nos conhecemos. Será que esperei esse aniversário para celebrar a nossa ruptura? Uma ruptura sempre e tanto anunciada, quanto adiada.

Eu te deixo essa noite, não voltarei para você.

Eu te deixo porque não temos nenhum projeto em comum, nem mesmo o projeto dessa ruptura. Sim, tivemos juntos algumas briguinhas, elas iam e voltavam, elas eram nossas estações. Céus claros, céus encobertos, brumas matinais, tempestades, tudo azul. Sempre com a mesma origem: baixas pressões no seu hemisfério, altas tensões no meu. E sem Equador, sem uma zona onde se reencontrar no mesmo clima.

Guardo de você imagens em branco e preto; o branco do desejo, o preto da ausência.

Branco, preto, preto e branco, em nosso caleidoscópio viraram rapidamente cinza.

Diga-me, meu senhor, o cinza é a cor da vida?

Eu não te deixo por ninguém. Eu poderia esperar para te trocar por alguém, mas essa transação seria indigna. Eu te deixo por mim.

Você não podia me amar. Logo, eu não podia te amar. Logo, nós não éramos amáveis. Aqui está, em resumo, a história de nosso breve encontro. Ele teria sido mais breve se eu não amasse a ilusão de amar.

N.


Carta de Nadine de Rothschild


(Tradução por Jorge Forbes)

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