Carta de amor de um psicanalista para outro


Acordei hoje com a ideia de como seria uma carta de amor de um psicanalista para outro, e achei que fosse mais ou menos assim:

Oi, suposto ser dotado de falo,

Como é bom estar junto com você nessa caminhada, encobrindo a não-existência da relação sexual, na busca do objeto perdido, sublimando nossas pulsões.
... Como é prazeroso fantasiar sobre o que você não é, e dar o que não tenho. Sendo assim, o que te ofereço são meus semblantes, meu desejo, que por ser desejo já implica falta.
Quero ficar contigo até o momento que nossas pulsões de morte nos conduzirem a satisfação da primeira mamada. Que o mal-entendido de nossa linguagem não faça ruir a fantasia do nosso "amor".

Um beijo, cheio de pulsão oral, da sua romântica em crise, na época em que o Outro não existe.

Por: Thereza Cristina

"Cuide de você"


“Recebi uma carta de rompimento.

E não soube respondê-la.

Era como se ela não me fosse destinada.

Ela terminou com as seguintes palavras: “cuide de você”.

Levei essa recomendação ao pé da letra.

Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão, para interpretar a carta.

Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.

Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.

Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.

Uma maneira de cuidar de mim”.

São com essas palavras que a artista plástica e escritora francesa Sophie Calle justifica sua exposição “Cuide de você”, em 2009. Após levar um fora por e-mail do também escritor – e sedutor – Grégoire Bouillier, não sabendo ser aquele um adeus definitivo, ou se havia ainda uma porta aberta, e não tendo coragem de responder a mensagem, ela decidiu, três dias depois, mostrar a carta rompimento para 107 mulheres. Das mais diferentes profissões, para interpretar o texto: psicanalista, juíza, escritora, jornalista, atriz, cantora, consultora de etiqueta, delegada, jogadora de xadrez...

“Se ele tivesse voltado, eu teria preferido Grégoire”, disse Sophie . Mas ele não voltou. E a exposição está fazendo o maior sucesso. Grégoire, no primeiro encontro oficial com Sophie, lembra aos literatos que não é proibido deixar alguém, e que todos têm o direito de amar e deixar de amar.

Sobre a exposição, algumas das interpretações se destacam. Cito a da subeditora-chefe, Sabrina Champenois, que escreveu: “O inferno, sem os outros. Amante rompe e afirma que motivo é respeito pelo pacto inicial. Honestidade ou covardia?”

Sophie sublimou sua devastação, transformando o que sentia em arte, em exposição de grande sucesso. Sophie disse que a exposição foi uma maneira de ganhar tempo antes de romper com Grégoire. Ela não havia entendido que, embora unilateral, o rompimento já havia ocorrido

Caso interesse, eis o tal e-mail:

"Há algum tempo, venho querendo responder seu último e-mail. Na verdade, preferia dizer o que tenho a dizer de viva voz. No entanto, vou fazê-lo por escrito.

Você já pôde notar que não estou bem ultimamente. É como se não me reconhecesse em minha própria existência. Sinto uma espécie de angústia terrível, contra a qual não consigo fazer grande coisa, exceto seguir adiante para tentar superá-la. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a 'quarta'. Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as 'outras', não achando logicamente um meio de vê-las sem transformar você em uma delas.

Pensei que isso bastasse. Pensei que amar você e que o seu amor — o mais benéfico que jamais tive — seriam suficientes. Pensei que assim aquietaria a angústia que me faz sempre querer buscar novos horizontes e me impede de ser tranquilo ou simplesmente feliz e 'generoso'. Pensei que a escrita seria um remédio, que meu desassossego se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições nem sequer de lhe explicar o estado em que mergulhei. Então, nesta semana, comecei a procurar as 'outras'. Sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Nunca menti para você e não é agora que vou começar.

Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,…) e compreensível (obviamente…). Com isso, jamais poderia me tornar seu amigo. Você pode, então, avaliar a importância de minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante de sua vontade, ainda que deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre os seres e a doçura com que você me trata sejam coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você do modo que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.

Mas hoje seria a pior das farsas manter uma situação que, você sabe tão bem quanto eu, se tornou irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.

Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.

Cuide-se."

Grégoire


(Lido no Vem cá Luisa)




Carta de despedida de amor


João Pedro,

Em alguns dias, fará quatro anos que nos conhecemos. Será que esperei esse aniversário para celebrar a nossa ruptura? Uma ruptura sempre e tanto anunciada, quanto adiada.

Eu te deixo essa noite, não voltarei para você.

Eu te deixo porque não temos nenhum projeto em comum, nem mesmo o projeto dessa ruptura. Sim, tivemos juntos algumas briguinhas, elas iam e voltavam, elas eram nossas estações. Céus claros, céus encobertos, brumas matinais, tempestades, tudo azul. Sempre com a mesma origem: baixas pressões no seu hemisfério, altas tensões no meu. E sem Equador, sem uma zona onde se reencontrar no mesmo clima.

Guardo de você imagens em branco e preto; o branco do desejo, o preto da ausência.

Branco, preto, preto e branco, em nosso caleidoscópio viraram rapidamente cinza.

Diga-me, meu senhor, o cinza é a cor da vida?

Eu não te deixo por ninguém. Eu poderia esperar para te trocar por alguém, mas essa transação seria indigna. Eu te deixo por mim.

Você não podia me amar. Logo, eu não podia te amar. Logo, nós não éramos amáveis. Aqui está, em resumo, a história de nosso breve encontro. Ele teria sido mais breve se eu não amasse a ilusão de amar.

N.


Carta de Nadine de Rothschild


(Tradução por Jorge Forbes)

Afinal...o que querem as mulheres?


A questão do feminino, desde Freud coloca-se como um enigma para a Psicanálise, e uma temática de intensos investimentos de psicanalistas contemporâneos em questões que se escondem por trás da famosa “Afinal, o que querem as mulheres?"

Freud, em toda a teoria Psicanalítica, ampliando a questão da sexualidade, faz questão de enfatizar que o que define a masculinidade ou feminilidade foge do alcance da anatomia, sendo que estes assumem papéis mais intimamente ligados a questões psicológicas, onde o masculino se afina mais com questões de atividade, enquanto que a feminilidade a posições mais passivas. Deste modo, não se trata de dois sexos, mas de duas posições do sujeito.

A Psicanálise não procura descrever o que é a mulher, mas por outro lado, traz um discurso para a questão de como uma mulher se desenvolve, o que se coloca de uma forma bem diferenciada, e mais complexa que o desenvolvimento sexual de um homem. De uma forma distinta do que acontece com eles, a mulher não é um ser dado desde o momento do nascimento, ser mulher se coloca no sentido de tornar-se mulher.

O desenvolvimento sexual das meninas, divide-se em duas fases. A primeira, que se coloca em um caráter meramente masculino, onde como nos meninos é por elas vivida a fase fálica (grande interesse no órgão genital), tendo como sua principal zona erógena o clitóris, órgão homólogo ao pênis, sendo a vagina portanto um órgão desconhecido, já que não existe no órgão sensações até a puberdade. A segunda fase seria portanto uma fase feminina, que a menina conseguiria chegar portanto à descoberta da vagina. Uma sexualidade mais enigmática e complicada que a dos homens, justamente pelo fato de as mulheres precisarem fazer a transição de uma fase para a outra. Outra complicação é o fato de o clitóris em seu caráter viril, continuar funcionando na vida sexual feminina posterior.

Na dialética edipiana (fase em que a criança ama o genitor do sexo oposto, e rivaliza com o do mesmo sexo), as meninas, assim como ocorre com os meninos, tem a mãe como primeiro objeto, já que as condições para a escolha objetal sejam as mesmas, para meninos e meninas (o fato de a mãe ser aquela que alimenta e cuida). O desenvolvimento sexual delas diferencia-se dos meninos também, em relação a mudança objetal vivida por elas. Ao final do desenvolvimento das meninas, elas abandonam a mãe (por esta ter-lhe dado um órgão inferior, menor que o dos meninos) e o pai torna-se seu objeto amoroso (esperando obter dele, o que a mãe não pode lhe dar) diferente do que ocorre com os meninos, que as mães permanecem como seu objeto. Para elas, a mãe se coloca agora na função de lhe dar uma representação do que é ser uma mulher, o que se coloca dentro de uma impossibilidade, já que a característica do sexo feminino é o vazio, a ausência, o buraco...não há significante.

Para que haja esse “tornar-se mulher" as meninas precisam mudar de sexo (de uma posição fálica, marcada pela importância do clitóris como principal zona erógena, para a descoberta da vagina) e de objeto de amor. Freud avançou pouco sobre a feminilidade, chamando a sexualidade da mulher de continente negro.

A descoberta da castração coloca-se como algo de forte importância na vida sexual das meninas, e pode levá-la a três linhas de desenvolvimento: em um primeiro lugar pode ser levada a uma inibição sexual, já que ela fica insatisfeita com o seu clitóris, e abandona a atividade fálica bem como a sexualidade de uma forma geral. Um segundo caminho seria o chamado complexo de masculinidade, onde permanece nas meninas a idéia de obter um pênis. E o terceiro caminho seria os primeiros passos em direção a feminilidade, onde as meninas passariam a então tomar o pai como objeto de amor , trocando o desejo de ter um falo, para o desejo de ter um filho.

O fato de a pergunta se repetir, mesmo depois de mais de um século, se coloca na falta de significante para nomear a mulher. O homem possui o significante fálico, e no real do corpo o pênis enquanto símbolo desse significante. As mulheres não, elas tem o buraco, o vazio, a ausência de significação, que a deixa aberta a um infinito. Compreender uma mulher, é tentar abarcar o infinito, o impossível. Freud não podendo avançar muito, deixou a grande questão aos poetas, e as nossas próprias experiências, mas é provável que nem nós, mulheres, sabemos o que queremos.


Mulheres fálicas, homens desvirilizados. Como se fazer possível essa relação?





Para ler ouvindo: 9 Crimes - Damien Rice



Com base em texto de Lêda Guimarães





Um cavalheiro gentil, cheio de galanteios, cartas e declarações de amor de um lado. Uma dama sempre inacessível, do outro. Romances impossíveis, Romeu e Julieta; Tristão e Isolda. Aparece então, a partir do século XII, e desde então se colocando como uma verdade até pouco tempo, o amor cortês, que fez surgir a idéia de amor eterno (que pulsava no coração da feminilidade). A mulher era então compreendida enquanto frágil, não tendo também autoridade sobre seu corpo. O homem esperava para poder aproximar-se dessa dama (que nunca o era sem perigo), e esta aproximação era feita em etapas: primeiro um abraço, depois ela deixava beijar-se, enfim, por partes. Um romance, marcado pela impossibilidade, pelo perigo, pela espera. Marcando como já dito uma idéia de dama frágil e homem viril, corajoso.



É com o surgimento do feminismo que tudo começa a mudar de lugar. As mulheres começam a reivindicar sua inserção em meios sociais, seja no meio econômico, político, etc; o que fez possível também que estas pudessem fazer suas escolhas amorosas. As mulheres questionaram a autoridade paterna, fazendo com que esta imago paterna caísse em declínio em nossa civilização.



“Oh! Lindo e esplendoroso amor, em que o cavalheiro servil se curvava extasiado diante de sua deusa: A mulher impossível!” (Lêda Guimarães)



É então, com o fortalecimento do feminismo, que esta mulher começa e se colocar como possível, e a partir de então, esse “lindo amor”, começou a desaparecer. E, como bem coloca Lêda, foi quando as mulheres começaram a falar em resposta ao apelo apaixonado de seu amante, que a desgraça começou a se abater sobre a virilidade dos homens, reduzindo suas promessas de amor eterno ao ridículo de meras falácias, instituindo o declínio do viril.



Antes, o amor cortês. Hoje, casais contemporâneos com mulheres superpotentes e homens desvirilizados. A mulher contemporânea tem que sustentar hoje uma máscara de feminilidade que contém diversas faces: “A profissional realizada”, “A politizada, culta,intelectual”, “A administradora do lar”, “A mãe psicopedagogizada”, “A malhadora diet”, “A amante liberada”. Para sustentar essa série de potências fálicas, o amor nas mulheres passou a ser concebido como uma patologia, e nos homens como uma mentira.



As mulheres costumam queixar-se por os homens não saberem amar. Mas enganam-se, os homens também amam, mas de forma diferente. A vertente masculino de parcerias, tem sua prevalência ao lado do erótico, sendo este um mecanismo defensivo de sua identificação viril. Ainda assim, eles acabam escolhendo uma mulher dentre as demais como seu objeto privilegiado de amor. E as mulheres por sua vez, também tem em sua incessante demanda de amor, uma carga sexual



A descrença feminina do amor, se fez a base de fortes defesas obsessivas por parte delas, em uma tentativa de sustentar as diversas máscaras atuais da feminilidade (uma mulher que é mãe, dona de casa, independente, moderna, bonita, uma Super Mulher), tendo como estratégia para essa manutenção o recobrimento da dimensão do desejo, e neste caso, o afastamento da dimensão do amor, já que o amor relaciona-se com a falta, e não com a unidade buscada em nossos tempos.



Então, questiona Lêda, como essas mulheres fazem existir o amor? E responde ser, através do homem do seu pensamento. Elas fazem existir o homem completo de seu pensamento para amá-lo. Do outro lado, Lêda questiona sobre esses homens que se sujeitam a essas mulheres que atacam sua virilidade, como eles conseguem suportá-las?



Diante dessas mulheres, que já trazem escrito na testa: “Não acredito mais no amor”, este homem, ainda para Lêda, permanece como um soldado remanescente de uma guerra perdida. Um novo homem, que não desistiu dos anseios de ser amado por uma mulher, em lugar de proferir suas juras de amor, já que estas já não tem mais credibilidade, encontram como saída a via do semblante, usando estratégias da histeria, tentando se feminilizar e entregando-se às mulheres como seu novo “brinquedo” (posição até então tipicamente feminina, colocando-se enquanto objeto de desejo do Outro).



É esta então, a maneira que os homens tem encontrado para fazer laço de parceria com essas novas mulheres. Para tentar preservar o amor que aí venha a ser nutrido, ele de cara já se apresenta como castrado, destituído de qualquer potência fálica que ao menos lembre o machismo. Esses homens cultivam o declínio do viril, como modo de fazer apelo ao amor.

Jubi Chan Proudly Powered by Blogger