A MERCANTILIZAÇÃO DOS MÉDICOS ESTÁ EM MARCHA



São bastante amargas as últimas declarações do Bastonário da Ordem dos Médicos, em fim de mandato: “Saúde 24? – Aquilo é uma Caixa Registadora”; “Aquelas 190 mil urgências que dizem que evitam são ranholas e fabrículas. (…) Essas deviam poder ser resolvidas com um telefonema para o médio ou enfermeiro de família”; “”Cada chamada efetuada por um doente para a linha Saúde 24 custa 12 euros aos Estado. É um valor superior à hora de um médico. E se o problema for resolvido custa 16 euros. Não brinquemos com coisas sérias.” “Há diretores clínico mal preparados!”.

Vai de mal a pior a vida dos médicos em Portugal. A outrora mais desejada profissão, em Portugal, vive dias difíceis, especialmente porque o quadro social, político, económico lhes faz um cerco do qual muito dificilmente sairão vencedores. Arrisco a dizer que os médicos serão o último bastião da Saúde a cair, mas cairão como caíram os enfermeiros e as farmácias.

As palavras do Bastonário da Ordem dos Médicos – José Manuel Silva – traduzem o profundo mal-estar da classe com as opções low cost e de duvidosa qualidade do Ministério da Saúde. Na minha opinião, os médicos não souberam ler corretamente os novos ventos que sopravam na área da Saúde quando milhares de enfermeiros emigraram para o Reino Unido, pois em Portugal não ganhariam nem metade do que lhes era oferecido. 
Como os salários continuavam mais ou menos iguais, os médicos não perceberam que o seu dia também chegaria. Antes, as administrações hospitalares estouraram com eles, aumentando-lhes o serviço até que ficassem exaustos. Ao mesmo tempo, o Ministério da Saúde foi descendo  o preço/hora a pagar aos médicos no início de carreira, de tal modo que o Bastonário já luta com as operadoras de telecomunicações por migalhas. 

As farmácias (aliadas de sempre) estão encostadas à parede com créditos que o Estado não paga e uma redução abrupta de ganhos com e generalização dos genéricos e a descida de preço dos medicamentos. O aumento de estudantes de medicina trará muitos médicos ao mercado de trabalho nos próximos anos, o que forçará uma descida do valor médio que cobram por ato médico.
Os médicos continuarão a trabalhar muito, sem a cobertura dos enfermeiros necessários, com os medicamentos no mínimo dos mínimos, com fortes restrições e pressões dos diretores clínicos e administradores hospitalares e sem qualquer compreensão social, pois, para a maioria da população, eles são os bem instalados do sistema.
Obviamente que continuará a haver muitos médicos a ganhar muitíssimo bem, mas daqui a cinco anos, a grande maioria da classe terá forte concorrência, trabalhará bem mais por menos dinheiro e verá o seu estatuto social menos brilhante.

Gabriel Vilas Boas